na prisão, a erva mostra todo o seu poder terapêutico. Relaxa e alivia a tensão. Quando não tem é o fim. Qualquer coisa é motivo para três ou quatro saírem se socando ou se esfaqueando
Maconha é o lenitivo do preso. A rotina esmagadora do presídio serve unicamente para estupidificar o ser humano dentro dele. Leis são necessárias, não tenho dúvidas. E lei sem o elemento punitivo não funciona. Pelo menos não agora. 60% dos presidiários paulistas têm filhos. As mulheres presas aumentam para dramáticos 90%. Todos, mesmo que inconscientemente, querem os seus filhos e familiares protegidos. E a única forma de garantir segurança para todos são as leis. Todos sabem disso, até quem burlou a lei.
Mas o efeito punitivo, como vem sendo aplicado, apenas desumaniza. Não ensina sequer o mínimo: que aquele é o resultado de práticas não autorizadas pela lei. O índice de reincidência no Estado de São Paulo beira a 75%. Produz agonia, desespero e angústia. O sujeito fica ali improdutivo, sem aprender nada, abestalhando-se em frente à TV. Trabalho não tem nem para a metade deles. E, quando há, não valerá como profissão fora da prisão. Costurar bolas, por exemplo. Escola existe somente para 8,8% dos 170 mil homens aprisionados no Estado. E assim mesmo não é oficial, não certifica ninguém.
O que fazer? Ficar no pátio queimando ao sol? Assistir aos filmes malhados da Sessão da tarde? Não há nada que corrompa mais a alma de dentro do homem. Se o poder corrompe, a falta do que fazer mais que corrompe; estupidifica. É exatamente nesse momento que a maconha exerce todo o seu poder terapêutico. Relaxa, alivia toda a tensão gerada pelo ócio, pela mente parada e apagada a contemplar o nada. A vida que passa ali, na cara do sujeito, ele nem apercebe, doente da alma que está...
A correria do dia é arrumar o baseadinho da noite. Um “rabo de rato”, a “tripa de mico”. O preso entra para a tranca menos revoltado. A cela só vai abrir no outro dia, mas ele conseguiu seu passeio pelo mundo flutuante. É a certeza de engolir a alimentação horrível com algum prazer e da conversa animada com os parceiros de xadrez. Depois um dominó ou a novela e o sono libertador. É voz corrente que quando o preso dorme está livre. Acordá-lo é falha imperdoável. Somente em emergências extremas ou morte iminente.
Quando não tem maconha na prisão é o fim. À noite ninguém dorme. De manhã dá para ver aquelas caras barbadas e mal-humoradas, chacoalhando as grades, na espera do guarda para abrir as portas. Ansiosos, nervosos e já sabendo exatamente como cada segundo do novo dia vai se desdobrar. A cota de dor, de angústia pesada, baixa como uma neblina. O pátio fica sinistro. Qualquer coisa é motivo para dois, três ou quatro já saírem se socando ou se esfaqueando. O guarda, ao ver sangue, começa a soprar seu apito e todos na prisão já sabem que “o bicho está pegando”.
Perna de grilo
Mas, se logo cedo o preso consegue uma “perna de grilo” para fumar após o café da manhã, ah... Quando o guarda abre a porta está arriscado a tomar um “bom dia!” entusiasmado logo pela cara. Quando um fuma, quase todos do xadrez que são fumantes também fumam. O baseado é uma das coisas mais democráticas que conheço. Em uma “banca”, cada um dá dois “pegas”, assim medidos criteriosamente, e passa. É o “proceder”.
Os presos mais velhos ou que estão cumprindo mais anos geralmente não fumam. Sabem que, se hoje tem, amanhã provavelmente não terá. É melhor segurar a onda quando tem para depois, quando não tiver, não ficar angustiado, sem fome, sem sono e mal-humorado. Afirmam que maconha na cadeia é luxo; só tem quem pode. O preso mais experiente é realista e se torna duro como pedra para sobreviver.
Os sonhos de liberdade que as muralhas impedem, a maconha desperta pela imaginação. Sem dúvida é uma fuga da realidade. Mas que alternativa possui o homem aprisionado?
O que fazer? Ficar no pátio queimando ao sol? Assistir aos filmes malhados da Sessão da tarde? Não há nada que corrompa mais a alma de dentro do homem. Se o poder corrompe, a falta do que fazer mais que corrompe; estupidifica. É exatamente nesse momento que a maconha exerce todo o seu poder terapêutico. Relaxa, alivia toda a tensão gerada pelo ócio, pela mente parada e apagada a contemplar o nada. A vida que passa ali, na cara do sujeito, ele nem apercebe, doente da alma que está...
A correria do dia é arrumar o baseadinho da noite. Um “rabo de rato”, a “tripa de mico”. O preso entra para a tranca menos revoltado. A cela só vai abrir no outro dia, mas ele conseguiu seu passeio pelo mundo flutuante. É a certeza de engolir a alimentação horrível com algum prazer e da conversa animada com os parceiros de xadrez. Depois um dominó ou a novela e o sono libertador. É voz corrente que quando o preso dorme está livre. Acordá-lo é falha imperdoável. Somente em emergências extremas ou morte iminente.
Quando não tem maconha na prisão é o fim. À noite ninguém dorme. De manhã dá para ver aquelas caras barbadas e mal-humoradas, chacoalhando as grades, na espera do guarda para abrir as portas. Ansiosos, nervosos e já sabendo exatamente como cada segundo do novo dia vai se desdobrar. A cota de dor, de angústia pesada, baixa como uma neblina. O pátio fica sinistro. Qualquer coisa é motivo para dois, três ou quatro já saírem se socando ou se esfaqueando. O guarda, ao ver sangue, começa a soprar seu apito e todos na prisão já sabem que “o bicho está pegando”.
Perna de grilo
Mas, se logo cedo o preso consegue uma “perna de grilo” para fumar após o café da manhã, ah... Quando o guarda abre a porta está arriscado a tomar um “bom dia!” entusiasmado logo pela cara. Quando um fuma, quase todos do xadrez que são fumantes também fumam. O baseado é uma das coisas mais democráticas que conheço. Em uma “banca”, cada um dá dois “pegas”, assim medidos criteriosamente, e passa. É o “proceder”.
Os presos mais velhos ou que estão cumprindo mais anos geralmente não fumam. Sabem que, se hoje tem, amanhã provavelmente não terá. É melhor segurar a onda quando tem para depois, quando não tiver, não ficar angustiado, sem fome, sem sono e mal-humorado. Afirmam que maconha na cadeia é luxo; só tem quem pode. O preso mais experiente é realista e se torna duro como pedra para sobreviver.
Os sonhos de liberdade que as muralhas impedem, a maconha desperta pela imaginação. Sem dúvida é uma fuga da realidade. Mas que alternativa possui o homem aprisionado?
*Luiz Alberto Mendes, 58, é autor de Memórias de um sobrevivente. Seu e-mail élmendesjunior@gmail.com
via revista trip (http://migre.me/576QZ)
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