sexta-feira, 18 de março de 2011

Cadáveres amontoados resumem caos no IML de Curitiba

Corpos empilhados e sem identificação no IML de Curitiba: uma cena que choca pelo descaso das autoridades públicas

Comissão de Direitos Humanos da OAB denuncia problemas na unidade de Curitiba. Vazamento de chorume e radioatividade são os mais graves.

A situação do Instituto Médico-Legal (IML) de Curitiba é pior do que se imagina: além da notória falta de equipamentos e de pessoal, a estrutura precária da sala de radiologia da unidade provoca a emissão descontrolada de radioatividade e o armazenamento inadequado de dezenas de corpos causa o vazamento de chorume – líquido preto proveniente da decomposição biológica. Essas denúncias contra o IML da capital foram comprovadas ontem durante vistoria feita pela Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil seção Paraná (OAB-PR). Hoje a Secretaria Municipal de Meio Ambiente deve averiguar o local. A situação pode causar a interdição do local.

A inspeção da OAB-PR na unidade teve como objetivo apurar as deficiências estruturais e de pessoal que acarretam no atraso da liberação de corpos e em riscos à saúde pública. “É um caos e providências deverão ser tomadas. Intervenção no papel, como já ocorreu em outra época, não adianta”, afirmou a vice-presidente da comissão da OAB-PR, Isabel Kugler Mendes, ao final da visita. No começo deste mês, a Gazeta do Povo publicou reportagem informando sobre a grave situação do IML.
As denúncias foram relatadas ao diretor-geral do IML, o coronel Almir Porcides Júnior. A maioria das falhas foi reconhecida pelo gestor. Ele negou apenas a existência de problemas na sala de radiografia. Segundo ele, o excesso de cadáveres é um caso antigo. “Tem aumentado o número de mortes violentas e, ao mesmo tempo, temos falta de espaço para enterrar”, justificando o não cumprimento do prazo de 30 dias para o enterro coletivo dos corpos não identificados.
Porcides, que foi nomeado interventor do IML em 2008 e assumiu a diretoria recentemente, afirma que medidas emergenciais estão sendo tomadas para resolver os problemas. Entre elas estão a contratação de funcionários, a regularização do trabalho efetuado pelo IML e o pedido para que a prefeitura tome providências quanto ao espaço público para o enterro. Para Porcides, o pequeno número de médicos legistas, que hoje chega a 73 profissionais em todo o Paraná, também auxilia no atraso dos procedimentos. O ideal seria 160 médicos para atender à demanda do estado.
Diagnóstico
Durante a vistoria, que durou uma hora e meia, a farmacêutica Priscila Gabriel, chefe da divisão de laboratórios do IML, explicou que o cromatógrafo (equipamento usado para fazer exames toxicológicos em vítimas a fim de identificar substâncias químicas no corpo) não está funcionando desde novembro de 2010. “A consequência é o atraso de toda a cadeia de exames”, afirma. Segundo ela, hoje são 1,5 mil exames em atraso. A demora na entrega dos resultados cria transtornos na liberação de corpos para cremação e na conclusão de inquéritos policiais.
Priscila lembra ainda que o número de laboratórios para exames também é insuficiente. Atualmente, dois laboratórios concentram todos os diagnósticos do estado. Em Curitiba, o trabalho é feito por 16 profissionais e, em Londrina, por apenas dois. Para a especialista, a criação de novos laboratórios descentralizados ajudaria a resolver o problema.
A falta de viaturas para a coleta de corpos foi citado pelos funcionários. Somente duas estão em funcionamento, sendo que há oito motoristas à disposição.
Isabel Kluger, da OAB-PR, conta que costuma ouvir que a Justiça tem sido morosa na liberação dos corpos. “Quando não tem autoria definida a Justiça fica responsável e não consigo entender o motivo de levar tanto tempo para liberar os corpos”, diz. A Vara de Inquéritos Policiais foi procurada pela reportagem e deve se pronunciar hoje.
Cheiro forte denuncia descaso
Quem entra nas dependências do necrotério do IML não imagina o existe por trás de algumas portas. O cheiro característico de putrefação é o primeiro a ser percebido. Depois, a realidade nua e crua ao ver dezenas de corpos ensacados em plásticos pretos que mal cobrem alguns deles.
Os existentes na primeira câmera fria que aloja 46 gavetas estão em melhor estado, segundo a OAB-PR. No entanto, a água encontrada no chão denuncia o mau funcionamento das geladeiras – antigas, enferrujadas e que mesmo passando por vistorias constantes, segundo a funcionária responsável por ser a cicerone do grupo, não comportam o uso constante. Seis corpos recém-chegados aguardam a liberação fora das geladeiras. Há corpos armazenados que datam de 2009.
Mesmo informando que há material descartável disponível, como aventais, gazes, luvas e máscaras, para manipulação dos corpos, nenhum dos funcionários que circulam pelo espaço fazem uso de equipamentos de proteção. “Nunca me contaminei”, garante uma delas. A única coisa descartável que se vê são as lonas pretas que revestem os corpos, utilizadas desde que o atual diretor assumiu. Antes, segundo informações, eram dispostos pa­­péis sobre os corpos nus. São 300 sacos pretos usados semanalmente em substituição aos sacos de zíper que foram usados por pouquíssimo tempo sob alegação de serem muito caros.

No entanto, o mais desumanizante é ver a câmara onde se encontram cerca de 70 corpos, conforme avaliação de funcionários, empilhados um sobre os outros, com partes semi-expostas. Quando é necessário fazer um reconhecimento, como o ocorrido com os familiares de Nilton Lopes Santana, 27 anos, foi preciso remover dezenas de corpos para tentar localizá-lo. O corpo está sumido desde 19 de janeiro. O IML reconheceu que o corpo pode ter sido enterrado como indigente.

Fonte Gazeta do Povo

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